De Julieta sem Romeu à janela do meu quarto

Chamei-te de cruento há setecentos anos para ver se conseguia ver fúria em teus olhos, mas tudo o que os traduzia era leveza, calma. Um amor, se me permite denominar assim, sem encanto a olhos nus de bandoleiros sem bravura. Contigo fui uma brisa de maio, um suicídio, um canto desafinado, uma viajem sem rumo. Contigo fui mais que uma virgem em perigo, eu fui a fera que se lançou à chama, fui o esgotamento de uma majestade, uma enfermidade sem cura. Poderia até ser uma árvore desgastada para lembrar-me a última carta à mão que escrevi.

Sei que haverá uma badalada em que meus dedos enfastiar-se-ão de estarem dispostos a qualquer hora do dia para alegrar-te com um novo caminho de termos, versos e palavras. E você aceitará, em silêncio como sempre. O que me aborrece. Sua eterna fleuma, apronto a receber uma adaga no coração nas palmas de uma plateia invisível que assiste nossa fuga de camarote (...)

“Pegue pincel e uma bandeja de aquarela.
Pinta meu ser, meu corpo e meu eu, delicadamente.
Faz-me desparecer comigo e mais contigo. Insere em mim um pouco de ti.”


(...) Juntar-me a eles e apenas ver-te seguir a passagem sozinho, com um beijo morrendo aos poucos no canto da tua boca, o que me faz soluçar mesmo vendo uma comédia romântica.

E então matar-me de lamúria com amores impossíveis nas ultimas páginas de um livro que não tem continuação. E parar por ali, alegrar meu imo com a falsa ilusão de que Romeu não morrerá achando que Julieta morreu, que os dois ficarão juntos, felizes para sempre.

Quase nós, extraindo a parte em que eu sou Julieta sem Romeu, que nem um de nós falece, de que não há final feliz. Se existir um final. E me ponho a pensar: Um cavalo com alma pura se chama unicórnio, você que és tão ingênuo, Romeu, chama-se como? Humano é que não és, idealizo.

Eu que fiz o mar. Com minhas inacabáveis choradeiras. Por achar que sem ti estaria melhor, quando o fato é que me deito todas as noites na janela de meu quarto, rezando para um vendaval me transportar até o chão e me suprimir para encontrar-te, Romeu. Perdoa-me por fazer de ti um elemento deplorável, por dizer que não fostes o que realmente fostes. Perdoa-me por desconhecer todo esse tempo do meu amor por ti. Perdoa-me por enterrar o que sentia, por usar teu nome na mesma frase onde ponho palavras simples, sem significados arrebatadores. Pois sei que gostava do meu eu extravagante, o que fazia delirar.

Só me perdoa por escolher não te ter. Porque agora me entregaria à mil homens para voltar setecentos anos atrás. Para amar-te melhor, cuidar-te melhor, para ter-te de pouquinho em pouquinho, nos domingos não sentidos pela minha pele pálida. Porque pela tua fleuma, Romeu, eu me mataria delongadamente.


“Meu único amor antigo, tarde demais o conheci...
Cedo demais o amei...
Devo odiar a quem amo ou amar a quem odeio?”


Demais para jovens pensamentos. Não me orgulho de estar em meio a quem não arrazoa como nós dois. Porque um amor, em nossas mãos, se transformava em ardor, fogo e impossibilidades. Fazíamos da noite um eterno cenário de desejo. Deixávamos a ansiarem o que tínhamos. Mas agora só mato o tempo usando nós como desculpa para suspiro de muitos. Usando sempre o pretérito imperfeito, usando seu nome para ver se causa impacto em mais alguém se não à mim.

Não vou abdicar-te, jamais. Porque para uma Julieta sem Romeu, até que sou insistente.

Thainá Seabra

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