Esperando aviões

Escolha minha, ficar assim. Ter medo da noite, do dia, da tarde, do grito. Escondendo-me entre as paredes, fechando os olhos para o sol, passando o tempo com dedos na nuca. Carregando o mundo com uma mão, e com a outra esfriando o chá. Aguardando o momento de um tsunami invadir meu pobre aposento, e me levar levando pra um lugar qualquer. Propus ser assim, pois achei que te acharia nos pensamentos, veria teu vulto correr para lá e cá tentando me proteger de mim mesma. Quem diria que você não apareceria?

Esperei no inverno, sozinha, apenas eu e eu e nossa fogueira de Natal. Almejei na primavera, desamparada, do principio ao fim, vendo flores falecendo e surgindo. Ansiei no outono, só, o frio atingindo-me outra vez, deu-me a sensação de nobreza do mundo, e fez me parecer uma qualquer crendo em um nada. E o verão veio, e eu abandonada por seis, quatro estações, repetidas.

Descri de o seu avião passar no dia em que fiz amor com um estranho. Fingi que gostei, fingi que você não estava lá me observando, quando eu sabia que estava. Pus-te de lado, ao lado da cama, em cima do livro, embaixo do copo.

E o meu medo, aquele que propositalmente senti por dois mil, cento e noventa dias, não passou. Só somou-se a mais um pouco. Medo do vento, medo de fotografias, medo do armário à noite, medo das folhas caindo, medo de dormir comigo mesma. Medo de andar pela casa na madrugada, tendo comigo a sensação que as lembranças iram me engolir a qualquer momento. Medo de pensar, mesmo quando minha mente é um turbilhão de termos não ditos, sonhos dançantes, calores estirados por mim, saudade e saudade e saudade.

Um roteiro que leio todas as noites para viver amanhã. Viver não, existir não, apenas por em pratica meras ações que me retardam, ou talvez que me impelida um pouco mais para a terminação. Mas eu estou só assim, no piloto automático, abrindo o olho por pura necessidade, arrastando as pernas por falta de asas, falando apenas por que preciso comunicar-me, ligando-me nas ruas só para não tropeçar. Porque eu estava esperando o avião. Mas ele não passou.

Quisera eu ter uma dor menor, a perda do meu cachorro, arrancarem-me a cabeça, morrer de fome, de frio, de morte morrida. Mas justo você?

Depois do acontecido, passei a analisar coisa por coisa, nos seus mais ínfimos detalhes. Reli textos e os achei cabocos, um nó só. Crianças que se achavam artistas, grandes escritores, apenas enrolam com algumas bonitas palavras e se tornam “autores” de um livrinho que vende cem milhões de cópias. No mundo inteiro.

Por isso, deixo claro, aqui e agora, que agradeço a dor, agradeço o atraso do seu vôo, a sua partida, e as lágrimas que borraram meus papeis. Abriram-me os olhos, não aqueles da necessidade, mas os da alma. Vejo claramente eu desistindo de minha vida aos poucos por um tanto que sei que não vale à pena, mas indo. Mexendo na minha própria ferida um dia sim e um dia não para ver se ainda dói, e dói. Mas um dia, que está bem junto, queira Deus, ela cicatrizará. E as únicas palavras que sussurrarei para a brisa serão, muito obrigada e adeus. E quando elas chegarem até ti, querido, não se dê o trabalho de pegar o próximo avião, fique aí.


Thainá Seabra

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