Camille

11 de novembro de 2011, 01:17 AM
Para: A menina da rua das flores.

Querida Camille,

Começo esta humilde carta com as mãos trêmulas e pernas bambas. Desculpe-me a caligrafia é que mal me concentro nas palavras que estão saindo, apenas consigo imaginar-te lendo o que me ponho a escrever-te aqui.

Faz frio de norte a sul no Japão, e eu me encontro em um velho hotel há dias, esperando uma resposta do vento ou um sussurro do oceano. Esta velha cidade não está me fazendo bem, pois só me faz pensar em ti, amor. E o pior, me relembrar a todo segundo, que leva anos para decorrer, da pior disparate que já fiz: Abandonar-te. Chame-me de criança, Camille, me xingue de asno e fale coisas grosseiras para mim. Grite aos quatro cantos que sou um ser humano abissal, que não faz jus a teu amor. Eu mereço... E aguento essa cruz calado, à beira de um lago todas as noites, atirando pedras e vendo-as afundar, assim como minh'alma.

Recebi sua carta, querida, e chorei ao lê-la. Por quê? Gostaria de saber... Você deve estar pensando que estou venturoso, que tenho levado uma vida próspera, mas não. Até esse exato momento, onde o ponteiro marca uma hora da manhã e trinta e três minutos, ainda não descobri o que me fez sair por aquela porta. A nossa porta...

A vontade de gritar é grande, mas se prende a minha garganta sufocando-me todas as vezes que olho para tua foto. Aquela em que estás de joelho enfrente a milhares e milhares de flores. Teu sorriso majestoso que irradia a teus belos olhos cor de céu, teus dentes brancos e perfeitos, e teus lábios que ouço me chamando por entre a madrugada. Ah Camille, nem que eu viva a eternidade, e mais um ano, jamais me anistiarei dessa culpa. Jamais. Se pudesse voltaria em um átimo para ti, mas sei que não queres nem me ver pintado de ouro ou com gosto de chocolate.

Minha vida caiu na rotina. Acordo todos os dias às 6 da manhã com a friagem matinal roçando meu rosto. Ponho-me a andar por esse recinto de outrem por horas e horas, de vez ou outra me sento em uma mesa de bar, me perguntando se sou desvairado por achar que essa vida seria melhor à estar do teu lado, mulher. Caminho mais um pouco (tenho feito muito isso desde que aprendi a refletir), e ao inicio da noite me sento enfrente ao lago até o sono chegar. De noite? Quase não durmo, apenas deito e deixo os pensamentos seguirem até ti. Fecho os olhos às vezes e me perco um pouco mais, até posso cochilar e ter um breve sonho com a sua pessoa, e no dia seguinte tudo volta...

Não trabalho aqui, e o dinheiro está acabando, logo logo terei de voltar à minha cidade natal e assim que pisar no primeiro pedaço de terra, tenho certeza de que experimentarei uma dor bem mais hedionda à que estou sentindo no momento. Apenas por saber que estás em algum lugar chegado a mim e que provavelmente estarei respirando o mesmo ar que tocou os teus cabelos, aqueles possuintes do cheiro de amêndoa e flores secas, uma mistura de orvalho com o bem estar de um lar. Um perfume que me fazia sentir estar em casa toda vez que assentava em meu nariz. O aroma que consigo distinguir à milhas e milhas de distância. Uma fragrância que senti pela primeira vez há 3 anos, 5 meses, 1 dia, 10 horas e 428 cafés pretos.

Lembro - me da primeira vez que te vi. Era verão, em um clube, não queria eu estar ali, mas me puxavam para lá como um imã se prende à geladeira da vovó. Ao entrar pelos portões soube o que estava acontecendo: Karaokê. E então te vi, em cima de um palco improvisado, olhando para o telão, sem se importar com os contemplares da “plateia”. Não foi seu corpo escultural, em um biquíni laranjado, que me chamou atenção. Foi seu sorriso, aquele que descrevi. Mas para fazer do jeito certo, contarei o impacto de vê-lo pela primeira vez. Foi como se o mundo sumisse, ou melhor, foi como se eu tivesse dado conta dele por prima. Os pelos de meu braço se eriçaram e dançaram junto com meu estômago, e olhos, e cérebro, e pernas. A atmosfera girou, e eu senti uma felicidade do nada. Eu queria me atirar a você, mas chamar-me-ia de louco por não fazer ideia de quem eu era. Seus olhos sorriam mais do que sua boca, e mesmo que você não estivesse em plenos saltos, saberíamos, todos, que você estava se divertindo. Ah garota, me apaixonei sem mais...

Eu me fui não é? Fugi, e corri pra lugar algum. Surgi onde não há, saí dentro de mim próprio... Eu parti, Camille, minha doce menina, mas fiquei contigo, estou dentro de um pote debaixo do teu travesseiro. Sinto que não permaneci totalmente, estou sano, mesmo contando primaveras, ainda consigo saber a diferença entre o verde e o azul.

Se isso fosse uma carta à Deus, meu amor, estaria eu com gotas de sangue espalhadas pelo papel, implorando para que eu, nem que seja um acanhado alvoroço, tenha seu apego, seu chamego, um toque de despedida. Aquele que fiz questão de ignorar na tempestade, o que joguei no lixo quando mais precisava.

Dói, querida, mas dói demais. Não suporto passar as noites de lua cheia na beira do lago. Imaginando se estás debruçada na janela olhando - a também. E fico nessa expectativa, me agarrando a falsas esperanças, esperando desesperadamente por uma resposta, contando junto com o arbusto as possibilidades de seu pensamento estar vagarando até mim. Até explodir...

Sem exceções, as noites são frias, e as sombras delas me engolem todos os dias, com um choro forte, mas silencioso. Eu estou debochando de mim agora, amor, pois cria que as lágrimas de um homem eram finitas. Pobre eu... Desconhecia do poder que a falta faz. Nunca pensei, admito, precisar tanto de alguém. E para deixar com um quê de drama adolescente, proferirei uma frase feita, “até te conhecer...”

Menina dos olhos de água, trovão de primavera, frio de outono, formosa neblina, me despeço, por hora. Mas tenha em teu peito o seguinte: “Nenhum inverno dura para sempre, algo virá aquecer-te mais perto da noite, aguarde.”

De coração partido,
O Lobo do Lago.

(Thainá Seabra)

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