Saudade: Com dor, com M ou sem casa?

Conheci um menino. Não faz tanto tempo assim, talvez um ou dois séculos, mas não ligo tanto para a conferência das horas. Ele é desigual. Um desigual quase anormal. Um anormal que quase o deixa natural. Se o amor existe, posso dizer que cheguei junto dele com Mauricio, com Ricardo e até Joaquim. Mas com esse pequeno fui mais além.

Eu tenho um porém dentro de outro porém. Como assim as casas amarelas passaram a ter todas as cores possíveis? No meu mundo, o homem que bolou de suprimir o padrão teria a cabeça em uma bandeja de prata. Porém gosto do nosso novo lugar, apenas do lugar, não das pessoas. Colorido, cheio de vida, é bom... Porém ele me deixa meio assim, como estou.

Minha época de criança é quase um borrão, apesar de dizerem que cresci na noite de ontem. Porquê? Eu poderia ter sido criança na barriga de mamãe, nascido um tanto menina, aos 5 anos normais ser uma adulta cheia de dores de cabeça e meu eu agora (sem meu amor) ser uma velha idosa que apenas sabe reclamar de como o tempo voa.

Em um bloco de tempo, aprendi comigo mesma tudo o que sei agora. Fui feliz, mais do que se pode imaginar. Mas como proferia o trovador: “Só descobre a fortuna quem já se prestou com a amargura”. Talvez essa besteira de “morri de amor” “estou sofrendo com minha perda” “que desgraça é a vida”, não seja tão besteira assim... Sem embargo de que meu pensamento não mudará quando proponho que o ser humano é improfícuo quando se trata de sua própria vida.

Não sou tão desamparada como aparento ser. Tenho meu avelhantado disco de Costello e uma presilha azul que recebi de papai em meu aniversário de 18 anos. Faz tanto tempo, tanto tempo. E me pesa o peito olhar para trás e ver apenas uma estante abarrotada de livros, onde amaria encontrar família, amigos, minha vida... O disco está dando seus últimos suspiros e de minha presilha caíram as pedras. Pobre eu...

Saudade é uma palavra de poucas letras que desgosto de usar para expor minha lástima de agora, mas cacei em todas as quinhentas e sete páginas do dicionário e nenhuma delas chega perto como a saudade chega. E ela chega pela porta da frente, pela de trás, pula a janela, deita na cama, se sente em casa... Isso se eu tivesse uma.

Não tenho pena de mim, ou tenho? Se tiver, não deveria. Eu sou a vilã do conto por atirar em meu consorte e ao final dizer que era para seu próprio bem... Coitadinho, me arrependo agora, mas o que posso fazer? Solicitar à Deus para me libertar da culpa quando sei que Ele está sossegando a mente, sem tempo para mim...

Mil perdões à garota das Minas, sinto ter de carregar a paixão que tenho por ela e sequer poder falar. E ela ficou com o pouco que sobrou de mim nessa jornada todinha, naquela noite de verão que sai sozinha pela estrada, varando os cantos mais sombrios que minha mente jamais teria a capacidade de desenvolver. E por ela não saber, tenho comigo a ideia de que irei morrer em uma semana. Isso se meu coração não falhar antes e eu expirar daqui a duas horas...

E carrego comigo, até o ultimo piscar, as lembranças de um século feliz com um menino com M e o meu eterno amor pela garota das Minas com M também. E nessa minha solidão de meia parte que só meu avô entende, me despeço por hora de todos os pesares que já vivi, dançarei uma última dança ao som de Elvis Costello com uma pessoa que anda me aporrinhando a vida e por fim recitarei Otelo à meu sétimo filho. Bom modo de conseguir desmarcar um território onde nunca houve uma casa.

Thainá Seabra

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