O que eu finjo que sinto

Bem alí na esquina, onde nunca fui, se dobra de dor um homem de meia idade. Não só ele, mais um outro, e uma velha, e uma moça, e um rapazinho, e um caboco, e uma assombração, e um bode, e o Seu Manuel, e mais todo mundo. No zigue e zag de uma ponta só, eu me excluo por não ter o que deveria: A dor que todos sentem.

Não minto, já ouvi falar, demais. Sussurradas de uma forma não tão doce assim, vindas da boca de um demônio agourento, palavras que arranham a alma quando chegam ao pé do ouvido. Não as sinto, nem querendo. E me desespero inventando balanços malamados, filmes descoloridos, tecendo fios de cabelos em uma cabeça de jacaré.

Quando fui gente, e soube que era, gritei para um canto da rua. Chorei por não ter para onde seguir, por ser só... Quando ninguém entendia o significado de um nada que o vento encheu, eu me abraçava para ver se sossegava meu desespero em meu próprio colo. Mas para minha não tão surpresa assim, achar a dor é mais difícil do que se imagina. Não precisa pintá-la!

Confesso ainda bricar de esconde esconde com a maldita. A persigo de todos os jeitos, dando nós até em joelhos enfeitiçados pela dança de ¼.

“Aonde está seu chão?
Ela não sabia, ela não percebia
Ela nunca imaginou que isso aconteceria
Lágrimas de sangue naquele dia.”

Estou cantando setes para chamar sua atenção. Um estepe. Peguei um mortal em um lugar não tão desconhecido, talvez um pouco para olhos comuns. Mas ainda choro para conseguir me apaixonar seriamente por seu divino sorriso. O gosto. Mas a dor? Ainda não a sinto. E a hora de chegar se distancia a cada tropeço meu. Das vezes que fico frente a frente com o chão, é uma deixa para meu destino se esconder debaixo da mesa.

Um, dois, três. Uma boca de lobo que vira de lado e sobe aos céus, gritando para a noite. Seu nome? Miguel. Espero nomea-lo como minha futura dor. Apenas por gostar como soa. Mas não ser o suficiente me frustra.

Porque em casa todos pensam que minhas lágrimas servem uma tremenda bagunça dentro de meu ser, ou talvez, um peso que carrego nos olhos inchados que saltam corpo a fora. E os faço acreditar, o que eu finjo que sinto. Quando na verdade choro por ser o que não queria, diferente do ser de todos os seres.

Quebra a unha, sente o sol, adormece no sofá. Estou esperando... Até demais. Miguel é um lobo, e eu sou depois do primeiro nome. Uma hora eu me descubro...

Thainá Seabra

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