O Pouco Que Sobrou

De dois eu faço zero, e de três eu quero dois.

Há uma estrada que leva à minha casa, ela passa por onde ninguém quer passar. Eu passei por muitas outras antes de chegar...

Não acabou, não se calou, ainda perece com um grito silencioso. Mas já não faz sorrir, ou chorar. Já não aperta onde devia apertar.


“Boa moça que já não é.
Maltratada e violentada pela dor que a solidão lhe causa.
Fincou-se no eterno,
Apesar de desejar uma cova para tão cedo.”


Cheios de entrelaços, palcos sem vidas que se desatam para nenhum só e nos atam com milhões. Versos fervidos em um camburão de morte, onde se joga – de segundo em segundo – vidas vãs. Onde moro, e me abrigo.

Na terceira via chamada de quatro, antes não havia flores. Presentemente existe, mas estão todas cadavéricas, sem cor... E sem nota para reanimar os campos que já não se sente o perfume ao cintilar o que não se quer para nunca mais...

A saudade é a mesma que o sol sente pela lua, se encontrando apenas para assassinar uns e outros. E mesmo assim sem fazer questão de descobri- lá tão cedo novamente. Mas falecer não falece, apenas se cria um grande vazio, bem no centro, onde dói.

E brilha, e brilha tanto, brilha muito.

Do pouco que sobrou, improvisei um par de meias. Truncado, mas fiz. O bento sumiu, e com ele foi-se a estação inventada, e o avião azul, e a capa de chuva, e os bilhetes de geladeira, e a metamorfose, e todas as mensagens que não chegaram...

Aguardei a luz chegar, ontem. Ou anteontem. Ou semana passada. Ou já faz um ano? Meu tempo está marchando pela casa agitando a cabeça e empunhando minha lista de afazeres. Como um ratinho.

“O ponteiro decide, se a alma de Joaquim será levada.
A badalada dança uma valsa consigo mesma,
E enlouquece quem há de fazer suas coisas.”

Debaixo da escada se tem um mundo que pertence à ninguém. Mas que também é de todos, se todos soubessem que ali se tem um mundo. E como só ninguém sabe do mundo, então o mundo é de ninguém. Mas eu sei, então o mundo é nosso? Não sei...

Queria poder agora, viver com vida. Bater o que precisa ser batido. Mas sentir já não sinto, e viver já não vivo.

Do pouco que sobrou, me poupo para não ver. Deixo de entulho entre outras e outras pilhas. Um belisco para deslembrar. Mas acabo me esquecendo de esquecer e quando vejo o pouco é muito, e, nada é resto, tudo é passado se fazendo presente.

De velha só tenho as ideias, de nova as mãos. A metade da metade só eu, segurando o pouco que sobrou. “De Maria puxastes o bom riso, de Cecília o olhar.”

“(...) mais precisamente falando da vida de um ser.
Enlouqueceu, endoideceu de vez.
Insano, insano. Pobre baiano.
Fica no ensaio de seu próprio funeral.”


De uma escritura maior que outra eu prefiro a frase. Me perguntas onde é que está localizado o copo de leite, e te direi para ir pega-lo. Por quê? É que está tarde, meu bem, é noite quase dia, embora o céu ainda tenha estrelas, o sol está fazendo planos para ir trabalhar...

Thainá Seabra

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