Remoto

Era um clima banhado da cor de sangue, e por lá eu perdi o resto da minha esperança...

Ontem embrenhei-me em casa com o raro ar que tinha, a antemanhã achincalhava de meu fano olhar e meus pensamentos eram tão vazios quanto um carnaval de morro. Há 3 trezenas de dias e noites eu senti 1/5 da dor da separação, mas ainda me restava um único – e não tão pequeno – elemento que se atinha na parede oposta à janela... Meu maior conforto, minha maior alacridade, meu berço, meu colo, o abraço mais valioso desde que os dentes começaram a ranger.

Este mesmo papel, onde estouro o meu infeliz abandono, foi ferido pelas minhas 2 mil lágrimas que caíram como uma tempestade, pela agressividade de minha caneta que jorrava palavras de desespero em cada parágrafo que encontrava pela frente. Este mesmo papel, cândido como nuvem, me fitou e até tentou me acalmar, sem mãos alguma.

"Abandono é o frio que ressoa no inverno do desprezo e apaga nossa lua."

Eu aguentaria prender minha alma pela eternidade dentro de celas imundas e estupradas por indivíduos sem face, eu aguentaria lutar uma guerra não minha, sozinha. Eu até aguentaria calar minha voz, fechar meus olhos, fingir que não ouço o que ouço. Aguentaria morrer duas vezes, três se precisasse, aguentaria o peso de um navio nas costas, andar pelo deserto com roupas de frio, lavar-me com água pecaminosa e derreter meu corpo de uma vez. Aguentaria tudo e mais um pouco, sem deixar escapar um singular e desabitado soluço.

Mas a lua se foi de vez, ela estava sumindo aos poucos, como quem se demora a dizer um adeus sabendo que nunca irá voltar. Ela era apenas um ponto diamantado durante todo esse tempo, mas ainda assim conseguia brilhar sob mim nas noites em que mais sentia falta de uma luz. Ontem ? A lua sequer apareceu... E isso eu não consigo aguentar.

"Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche."

A vida muda para mais perfeita e assombradora de segundo em segundo. Às vezes não dá tempo nem de habituar-se à jovem realidade, o trem já vai seguindo atropelando quem estiver na frente. E dessa parte, nem as flores gostam... Tá remoto, tá distante, alongado, sem palavras, afastado, acabou. Eu não esperava ser defraudada, já expuseram que é delito? Porque assemelha que nossa errada e desonesta vida carece de ser advertida a respeito de tal. Ela me arrancou o que mais era meu, mas essa não é a peça pior. Ela tirou-me a lua e deu-lhe para um outro alguém...

Sem casa, sem cartas, sem armas, sem nada. Eu to o caco sem cola, só a caveira. Como uma vela derretida em um velório, é só a capa.

Meus planos foram abusados, queimados e nem com as cinzas me deixaram ficar. Amava, com uma lógica inegável, mas percebo que era mais que um amor, era necessidade, vontade, desejo de estar perto, quase uma paixão fraterna que só se encontra uma vez, se tiver sorte. E eu tive, mas nem sei se tenho mais.

O trem vai seguindo, espalhando sangue por onde passa, danificando terrenos, esfolando flores, extraindo frutos da terra sagrada. E eu vou só aceitando, por que nessa viajem eu não pago, sou só uma passageira comum...

Thainá Seabra

Postagens mais visitadas deste blog

Ontem de noite, na Terra

Só escreve quem sente

De Julieta sem Romeu à janela do meu quarto