Pedaços Soltos

Mas eu, sucessivamente abro com verbos... Careço de estar louca, oh mãe, eu devo estar louca.

Trago 53 escritos iniciados e não aprontados adentro de uma pasta que desgraçou-se pela passagem densa. Eu estou incompleta, tão inacabada quanto uma gota de chuva que se rompe em uma folha antes de abraçar o chão.

Àquelas cartas antigas e encanecidas que já não conversam comigo. À meu sorriso que morreu há dias e não me acompanha ao levantar da cama. À minha decepção ao perceber que o vento deixara de entregar mais uma vez minhas mensagens. Às minhas anotações desimportantes que se juntam todo dia ao meu lixo pessoal. Ao meu sono assassino de dores. Aos meus ouvidos que calam minha boca. Ao meu passado, que deixei que procurar o paradeiro para não abrumar uma vez mais. À mim por ser forte...

Mas é que eu morri e continuei vivendo, e isso me assustou... Careço de estar louca, oh pai, eu devo estar louca.

E que tantas vezes o dia amanheceu gracejando e ainda assim terminou pesando o travesseiro de tanto chorar. E que tantas vezes surgiu o sol sorrindo e ainda assim a noite gritou no céu. Um grito vazio, e foi o choro mais triste do mundo. E que tantas vezes a manhã foi gostosa e ainda assim o crepúsculo foi sombrio.

Mas é que Deus adora os opostos juntos, como irmãos... Careço de estar louca, minha gente, eu devo estar louca.

E plantei minhas sementes estragadas por aí, em vão. Elas têm um pedaço de mim que ninguém quis levar. Eu lutei para encontrar quem as quisesse, e ainda morro tentando. São pedaços soltos de pura solidão, de drama gastado por escândalos sem sentindo, de um bolo emaranhado com todas as complicações possíveis, de um olhar pesado e cansado de tanto soluçar, de uma eu que implora por alguém... Mas um alguém privativo.

Mas é que eu não consigo ser alguém além de mim... Careço de estar louca, amor, eu devo estar louca.

Eu peço perdão por ignorar aquilo. Aquilo que eu não posso contar. Aquilo que nem as entrelinhas suportam carregar. Aquilo que nenhum ser consegue decifrar. Aquilo que minha boca não consegue falar. Aquilo que dói tanto quanto uma martelada no pulmão. Eu só peço perdão.

Mas é que eu não consigo esquecer... Careço de estar louca, por favor, eu devo estar louca e nada irá me fazer voltar a ser o que era.

Thainá Seabra

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